segunda-feira, 22 de setembro de 2014

impressões do livro "o tempo e o cão"

Na sociedade de produção, cada minuto exige uma decisão e promete uma forma rápida de satisfação. O ócio escandaliza. Então o indivíduo deve aproveitar o tempo sem preguiça e sem descanso. Deve decidir a cada instante uma forma rápida de satisfação, de produção de algo. Ainda que seja o próprio lazer. Em um tempo onde o passado não é valorizado, onde o que importa é o segundo seguinte com suas promessas e desafios.
A lógica dominante da modernidade é que o futuro será garantido àqueles que se anteciparem aos demais. Por isso uma urgência, desde a infância, para qualificar os filhos com cursos de idiomas, escolas que treinam isso ou aquilo.
Só que quando o passado não é valorizado, o “eu verdadeiro” do indivíduo não consegue a estabilidade necessária para uma vida psicológica saudável, porque não consegue “puxar pela memória” o que vive como consequência de decisões e atitudes feitas anteriormente. Seria uma vítima colocada espaço presente do tempo, como que por mágica do destino cruel.
Nesse contexto, é que entra o depressivo: uma pessoa vitimada pelo presente, sem estabelecer um paralelo com o passado e assustada com esse tempo futuro que é veloz e  exige muito das pessoas. O depressivo não consegue acompanhar a velocidade do mundo e ao mesmo tempo não consegue estabelecer seu próprio ritmo. Então, ela se fecha num mundo estático e atemporal do seu quarto, escondido do mundo, debaixo de suas cobertas.
Esse momento seria o ideal para que o deprimido elaborasse a sua angústia. Mas, esse tempo de compreender não passa de uma torturante sequencia de instantes vazios, sem apoio em nenhuma lembrança significativa do passado e sem o mínimo de interesse em projetar qualquer fantasia que faça o futuro valer a pena.
Nesse contexto social, onde o imperativo é o jogo da sedução, da felicidade instantânea e permanente: espetacular!, A pessoa deprimida se retira antecipadamente, por considerá-lo rápido demais, inalcançável. E também, derrotado, mesmo antes de jogar. A questão é que não fazer parte da cena, causa-lhe angústia: um vazio, sem qualquer tipo de representação simbólica. E com essa angústia, a única coisa que ele crê possuir, sente-se oprimido diante da voracidade do mundo. Ele já não consegue vislumbrar uma satisfação futura, porque já tem a crença que nada do que fizer poderá lhe dar satisfação. Sente-se insuficiente, incapaz de jogar e ganhar esse jogo que ele já se colocou como excluído. Também  não consegue elaborar a sua própria via desejante, porque não possui mais auto-estima.
O mundo sedutor do consumismo, convida o depressivo a todo momento a produzir a sua felicidade a partir da lógica de produção, a participar da festa em que “todos” estão gozando. E a sua recusa é incômoda, porque, de alguma forma, estão questionando esse projeto social.
Talvez por isso que o depressivo é tema central da psiquiatria, porque, sob essa lógica, o deprimido precisa, através de medicamentos e terapia, sair de seu quarto e voltar à sociedade do espetáculo e consumir, sem passar pela angústia de ter que elaborar qual é a sua via desejante verdadeira.
O deprimido no fundo se sente culpado por ter cedido ao seu desejo, por ter se acovardado diante de sua verdade, por não ter insistido nas decisões sobre o que mais lhe importava. No fundo, ele sente como se tivesse traindo a si mesmo, por não realizar a sua fantasia de felicidade, por falta de coragem de enfrentar o mundo, que lhe parece tão grande e esmagador. O desejo do outro é que predomina. Mas, alguém ou algo poderia desejar por nós?

Quando não enfrenta o mundo, traindo a si mesmo em sua verdade, o deprimido comumente o faz, inconscientemente ou não, a partir da valorização do desejo dos outros como sendo mais importante ou merecedor do que os seus próprios desejos. Daí, ele pode se sentir como não tendo lugar no mundo. 
Talvez a razão disso seja uma auto-cobrança pessoal de si mesma, em relação à expectativa do mundo para com o indivíduo. Um indivíduo inseguro, que precisaria da aprovação dos outros, que deseja agradar o tempo todo para poder ser amado, desejado e não “expulso do mundo”, como ele se imagina.

E, como não tem lugar no mundo “lá fora”, onde é metralhado por insistentes ofertas de felicidade vazias, ele entra em seu ninho, onde o tempo não passa. Só que isso funciona de maneira paradoxal, porque o deprimido não enfrentando o mundo, escondido, ele torna o mundo maior e mais assustador ainda, quando se colocando como derrotado, engolido por ele (o mundo). E, como se vê nessa posição, é comum o depressivo ter ideais de morte, porque o mundo com suas incertezas, com sua velocidade é aterrador. E a única coisa certa, no futuro, é a morte. O depressivo não suporta mais a incerteza. E com a morte poria fim à sua angústia, já que não precisaria mais desejar, fazer.
É comum a depressão ter se iniciado depois de uma perda de uma pessoa amada. O que se deprime é destituído do posto de ser desejado, cuja falta ele supunha preencher. Alguém que lhe daria um lugar a ocupar no mundo. Esse seria o fator de dor real e não a perda, em si, da pessoa amada. 

É interessante o depressivo rememorar o seu passado, buscando um sentido, um caminho que foi trilhado até o presente e não apenas pensar num futuro dos outros, do qual ele ficou para trás. Sair do papel de vítima é muito importante, porque compreendendo o presente como consequência do passado, a pessoa pode remontar sua história além dos infindáveis instantes sem significado, como sente o deprimido. Partindo disso, a pessoa se percebe como autora da própria história. Já que fez ontem e tem o hoje. O amanhã começa a ser escrito agora.

Importante também é encontrar alguém para compartilhar as experiências cotidianas, as memórias, porque isso ajuda na sensação de pertencimento, dá sentido à experiência. 

O deprimido precisa tomar coragem de enfrentar os seus medos, lidar com a possibilidade de perder, de não conquistar de imediato o que realmente deseja. E não cair antes da queda. Precisa ter coragem de se mostrar menor do que ele se vê, porque em muitos casos, a covardia pode ser uma vaidade com medo de ser ferida pela derrota. E, para não mostrar ao mundo o quanto não pode, o deprimido acaba por não mostrar a si mesmo (que é o que interessa) o quanto pode.
Quando se tratar de uma perda, a pessoa pode procurar elaborar o luto, evitando a culpabilização pessoal, a tirania de seus pensamentos. E abandonar a sua atual paixão pela tristeza, como se a pessoa e ela (a tristeza) a deixasse auto-suficiente, tornando o indivíduo indiferente ao mundo. E é só no mundo lá fora que haverá a possibilidade de um novo encontro, de uma nova oportunidade. Obviamente, acompanhada de seus riscos, mas agora a pessoa carrega um aprendizado, uma experiência a mais. Seria o caso da pessoa deixar de ser indiferente ao mundo, mas, aceitar afetar-se pelos acontecimentos, sem sucumbir a eles. Isso pode ser possível a partir da busca da causa dos fatos. 
Uma constatação importante é interiorização de que o mundo não é um lugar semelhante a um útero materno ou a algumas experiências infantis de suprimento de necessidades e desejos, amor incondicional, onde as coisas e fatos cooperavam para o bem estar da pessoa. Também não seria o caso de viver buscando a tal felicidade, porque ela seria uma utopia, tendo em vista que o mundo, apesar das propagandas de consumo (em todas as suas vertentes), não parece ser esse lugar tão feito para isso. Seria o caso de se satisfazer com a busca de significado da própria existência, a compreensão dos fatos a partir da relação com o passado e o encontro do indivíduo com os seus desejos, suas motivações verdadeiras e a coragem para tentar realizá-las.
Não seria o caso de dizer que não haverá espaço para a tristeza. Muito pelo contrário, ela estará presente vez ou outra. E será nos momentos de tristeza (não confundir com o vazio e o apego à tristeza da depressão) que o indivíduo pode ser livre para inventar a sua própria vida.